2012/10/27

“Inimigo” por Ivo Oliveira, 2012

























Maqueta das terras movimentadas para a construção do nó da A41 em Nogueira da Regedoura - Santa Maria da Feira.


BREVE HISTÓRIA DAS FIGURAS ESTRANHAS 
QUE NASCEM À NOSSA PORTA 

Partindo das transformações territoriais ocorridas com a execução do nó de acesso da auto-estrada A41 a Nogueira da Regedoura no concelho de Santa Maria da Feira, pretende-se apontar o dedo aos consórcios “fazedores de estradas” que desenvolveram sofisticados procedimentos que blindaram o território aos agentes externos.
A análise dos documentos que estes grupos manipulam ou produzem (Cadernos de Encargos das Concessões Rodoviárias, legislação sobre as PPP’s, Estudos de Impacto Ambiental, entre outros) permite constatar que são omissos no que se refere à apresentação da circunstância territorial e das soluções espaciais que desenvolvem, e são exaustivos e inacessíveis ao mais aplicado dos cidadãos, no que se refere à caracterização do modelo económico. A inclusão nas concessões de uma imensidão de parâmetros criou um “pacote” tão poderoso que até mesmo os arquitectos, habituados a lidar com coisas complexas, desistiram de a dominar. Para responder a essa complexidade coube aos concessionários a criação de equipas disciplinarmente alargadas nas quais os arquitectos não são a figura que coordena ou apresenta sínteses. Estas equipas que constituem a auto-regulação do concessionário pouco mais são do que uma mera simulação. Apesar disso repousa sobre elas uma aura que tem viabilizado a mais questionável das transformações. É essa aura que permite que nos documentos técnicos que produzem, depois de páginas e páginas de análises comparativas, de previsões, de inquéritos se possa concluir afirmando no início estranha-se e depois entranha-se. Estão assim reunidas condições para que a produção da mais bizarra figura possa ocorrer. 
Esta tem sido a estratégia que suporta as coisas estranhas que por todo o lado surgem. O cidadão até pode ser chamado a participar, no entanto a discussão não irá para lá da escala 1:25.000 e limitar-se-á à escolha de traçados ou à localização dos principais nós de articulação. O cidadão nunca terá acesso a uma prefiguração da transformação dos espaços que habita. A proposta será descoberta já em obra e será o resultado informático do cruzamento entre a resposta à pergunta “quanto é que quer que custe?” e o leque restrito de soluções técnicas disponível. É assim que se alcançam os dois principais objectivos dos fazedores de estradas das últimas duas décadas, garantir que o saldo entre terras retiradas e colocadas seja nulo e mexer muito para que a amarga factura se justifique.