2012/10/29

“Inimigo” por Tiago Lopes Dias, 2012























Pensar no Inimigo leva-me ao romance de Dino Buzzati, “O Deserto dos Tártaros”. 

Este é a história do oficial Giovanni Drogo e da sua estadia no Forte Bastiani. Destacado por quatro meses, que lhe parecerão inicialmente longos e penosos, Drogo começa no entanto a sentir uma estranha afeição pela fortaleza. Fronteiriça a um deserto, isolada da civilização mas povoada por murmúrios de míticos inimigos (os Tártaros) e notáveis façanhas, a inóspita construção vai, pouco a pouco, enfeitiçando Drogo, que ali se deixa aprisionar. Passam os quatro meses, e logo de seguida mais um ano, outro ano, dez anos, acabando por terminar ali os seus dias, tendo por única e fiel companheira a solidão, sem nunca avistar o tão ansiado inimigo. 

O romance de Buzzati permite múltiplas leituras, mas para o que nos une hoje aqui, vou-me centrar na ideia de fortaleza. Só a grande ameaça a justifica, só a perspectiva da grande batalha define com exactidão os seus limites e lhe dá um valor simbólico. Esta era ainda a ideia que presidia (e unia) esse grande bastião chamado CIAM, que tinha o seu alvo bem definido e ao qual não faltava a devida aura mítica. Mas nos últimos 20-30 anos, os arquitectos, tal como Giovanni Drogo, embrenharam-se na construção do seu Forte sem saberem de quem se deviam defender, ou a quem deviam atacar; pior ainda, sem perceberem que a guerra se tinha agora de fazer com outras armas e outras estratégias, e que o dia da gloriosa batalha não chegaria nunca. Sem perceberem que não era uma guerra, mas uma guerrilha, aquilo que os esperava – uma guerrilha contínua, diária, com várias frentes – permaneceram estáticos, em expectante suspense, às portas do deserto. 

Só o abandono da fortaleza e a reaproximação à sociedade podem marcar um primeiro passo nesse combate. Antes de ser um técnico ou um artista, o arquitecto é um cidadão que se integra numa determinada estrutura socioeconómica. Que armas levará consigo, é outro assunto; mas só depois desse passo será lícito aspirar a que a arquitectura, num tempo de crise, não seja (apenas) um luxo superficial.