2012/11/19

“Inimigo” por Benedita Côrte-Real, 2012

O que é difícil é conseguir vencê-lo, ao inimigo1. 























Na tentativa de tecer considerações sobre os temas apresentados e tendo em conta a sua abrangência, resolvi, por entre os artigos aqui publicados, usar as palavras2 e ideias que se destacam3 e outras que me ocupam as entranhas (emigração, crise, filhos, velhice, nacionalismo, associativismo...). 
Nesta contagem, as atuais dificuldades que tolhem a capacidade de agir, são caracterizadas como: apatia e ausência; afastamento da realidade e conformismo; descontentamento; desespero; doença e tristeza. 
Tomei como “inimigo a abater” as palavras que se destacam: o arquiteto, o inimigo e a arquitetura. A perceção de que nós constituímos o nosso próprio inimigo e que temos dificuldade em delimitar o âmbito disciplinar é uma das ideias que se evidencia ao longo da leitura dos artigos. 
Outras questões recorrentes prendem-se com os concursos e a contratação pública, a legislação e o papel da Ordem. Dentro das palavras selecionadas e do tema do poder, a política é a mais questionada. Já no contexto da prática profissional destacam-se a ética, a obra e o projeto. No âmbito da teoria, são referidas as questões do arquiteto enquanto artista, da fuga à realidade e do sonho. No domínio económico: as questões da construção, da crise e do mercado. É evidenciada, ainda, a importância da cidadania. Embora seja mencionado o tema da internacionalização, não é referida a questão da emigração4
Defende-se que o Estágio é igual a exploração, mas não se refere a precaridade da maternidade na profissão5. Surpreendente, também, é a utilização única de palavras como associativismo, gestão, inovação, pro-atividade e solidariedade. 

1- Consciência de classe 
Se nós somos o nosso próprio inimigo, há que sair desta depressão: nem que seja para isso preciso implodir com a arquitetura ou com os seus pilares6
E, se nós somos o nosso próprio inimigo, e sendo o inimigo o que se nos opõem, de facto não existimos. O que demonstra a evidente inexistência de uma consciência de classe. Esta consciência de classe ultrapassa largamente as questões disciplinares.
Muito embora a “política de autores”7 possa constituir uma hipótese de trabalho, datada e, a ser, muito circunscrita (!), acredito mais que esta definição disciplinar se fará com base nessa consciência (que relativista não se pretende amorfa), na reconstituição duma classe que se valorize e respeite. Esta sensação de união permitirá que não caminhemos sós, e conduzir-nos-á convictamente pelos trilhos das tendências disciplinares.

2-Indivíduo vs nação
As tendências disciplinares a que me refiro não se enquadram necessariamente na prática que conhecemos porque essa, sim, está esgotada. Essas tendências surgirão com a resposta às necessidades (económicas, políticas, sociais e da própria classe...) e, como sabemos, a questão não está propriamente na resposta, mas na formulação da pergunta ou na criação duma necessidade, e será nessa neste processo que evidenciaremos a qualidade da nossa formação. 
Poderemos vender os nossos serviços quando descobrirmos o que temos de especial para dar. Quando cheguei de Maputo, perguntaram-me qual a minha opinião sobre o estado de sítio: temos que nos fechar, sobre nós próprios e sobre Portugal, estamos num momento em que se torna fundamental recriar e centralizar o nosso umbigo: refletir sobre as nossas imensas potencialidades enquanto indivíduos, arquitetos e enquanto nação – Marketing e para além de. Designadamente, no âmbito da exportação da Arquitetura, honrar a História poderá constituir uma oportunidade coesa de internacionalização.

3-Emigração
No contexto da exportação de indivíduos e enquanto emigrante que já não sou, devo dizer que felizmente o nosso Primeiro-ministro8 mandou emigrar, reduzindo (apesar de tudo) os concorrentes e a taxa de desemprego. Foi possível, também, perceber o desespero dum País que apenas viu como solução o incentivo à emigração desordenada9, num momento em que são reconhecidas internacionalmente as nossas qualidades técnicas. E, pior do que o subaproveitamento de recursos decorrentes de um investimento nacional, ignorou-se o impacto sobre os próprios emigrantes, no que se refere à sua fragilização enquanto indivíduos, sobretudo quando se encontram em situações precárias – questão particularmente sensível nas antigas colónias10.

Urge a nossa delineação enquanto indivíduos;
Urge o planeamento, um dia de cada vez – construindo objetivos futuros;
Urge a reconfiguração da classe;
Urge a organização, somos demasiados e queremo-nos demasiado abrangentes;
Urge a participação.


1 Escassez de rendimentos dentro do foro disciplinar ou fora dele
2 Escolhi uma série de palavras e contei o número de vezes que se repetiam (!)
3 Destacaram-se os contributos de Blaanc, Filipe Santos Marinho, Guida Marques e Maria Manuel, Maria Rita Pais, Paulo Costa, Tiago Lopes Dias, entre outros…
4 Para além do “Inimigo” por Cláudio Vilarinho, 2012
5 Ter filhos a recibos verdes é um duplo risco.
6 Ver “Inimigo” por Edgar Brito, 2012
7 Ver a entrevista a Nuno Portas na Revista Ler, Julho/Agosto 2012 
8 Enquanto porta-voz de uma estratégia. 
9 Como naturalmente o desespero encerra em si, uma perspetiva de curto prazo, não foi equacionado o impacto familiar (refiro-me ao acompanhamento da velhice) e tão pouco se considerou que com os emigrantes segue a nova e, já de si, reduzida geração de Portugueses e esperança no Futuro. 
10 Felizmente estão a ser dados passos importantes no apoio e informação à emigração.