2012/11/07

“Inimigo” por Luca Martinucci, 2012

Two Minutes Hate 
(em Mação)




Provavelmente estou enganado. 
Mas não posso deixar passar em branco. As identificações de inimigos que até agora foram entregues, recordam-me, de certa maneira, os “dois minutos de ódio” do 1984. 
Esta espécie de exaltação do “inimigo pessoal” deixa-me com algumas dúvidas. 

Bem sei, bem sei, a construção do inimigo é necessária à manutenção da sociedade. Identificando tudo o que não somos, ou não queremos ser, projectando os nossos medos no outro e longe de nós, marcamos os nossos limites e definimos a nossa identidade. 

Umberto Eco descreve em “Contrução do Inimigo”, séculos de inimigos, “indentifica-os” e apresenta as provas, as características. 
O Inimigo: 
Fede, 
é Feio, porque não é bom 
é Diferente, por isso faz aquilo que nós não fazemos. 
Pode ser, dependendo de épocas e latitudes, Peludo, Careca, Alto, Baixo, Negro ou de outra cor de pele diferente da nossa, Mulher, Hebreu, Grego, Alemão, Francês, Austríaco, Italiano, do Sul ou do Norte, Pagão ou Cristão, nos últimos tempos está na moda o Muçulmano. 

O que dizer? Tenho medo. Tenho medo que o fechar-se no centro do país a falar dos problemas pessoais, seja o “Grande Inimigo”. 
Porque esta visão egocêntrica pode não dar a perspectiva correcta. Temo que todos descubram quão seja perigoso para a nossa profissão o pacote da Adobe! Em particular o Photoshop, quando pode acabar nas mãos de criminosos que apagam a tomada eléctrica, e que não podiam ter um nome mais adequado que Guerra! 
Vejo já arquitectos armados de foquilhas e iphones, a voltar de Mação aos gritos “Guerra ao Photoshop! Guerra ao Photoshop!” 

Mas na realidade, como diz Eco: 
“Parece que não seja possível renunciar ao inimigo. A figura do inimigo não pode ser abolida dos processos de civilização. A necessidade é inata até ao homem brando e amigo da paz. Simplesmente transporta-se a imagem do inimigo de um objecto humano a uma força natural ou social que de algum modo nos ameaça e que deve ser vencida, seja ela a exploração capitalista, a poluição do ambiente, a fome no terceiro mundo. Mas, apesar destes serem casos “virtuosos”, como lembra Brecht, também o ódio pela injustiça deforma a cara. A ética é portanto impotente frente à necessidade ancestral de ter inimigos? Diria que a instância ética ocorre, não quando se finge que não hajam inimigos, mas sim quando se procura compreendê-los e colocar-se no seu lugar. (...) Procurar compreender o outro significa destruir o cliché, sem negar ou eliminar a alteridade. Mas sejamos realistas. Estas formas de compreender o inimigo são próprias dos poetas, dos santos ou dos traidores.” 

Arriscando ser um dos três, Santo, Traidor ou Poeta, posso dizer que para mim as formas para destruir o cliché e compreender o inimigo podem ser tomadas como uma estratégia de ataque. 

Marinella Sclavi, no seu livro “A arte de escutar” descreve em 7 pontos as regras para a gestão criativa do conflito. Tudo se baseia em aceitar o diferente como possível e assim procurar compreender outros pontos de vista para além do nosso, a arma é a ironia. 

Alexander Langer identifica em “Il Viaggiatore Leggero” aquela que pode ser uma nova atitude necessária à nossa profissão, ainda mais num período de crise como o actual: “Costrutores de pontes, saltadores de muros, exploradores de fronteira.” Coisas que no fundo um bom arquitecto sempre fez.