2012/06/26

"Inimigo" por Pedro Bandeira, 2012



















No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso” 
(Guy Debord, Sociedade do Espectáculo)


No final de Maio deste ano a Galp lançou no Porto (imagino que também em outras cidades) uma campanha publicitária com o slogan: “a Galp tem mais uma energia positiva para a sua vida: a eletricidade”. Visível em outdoors de rua, esta publicidade tinha a particularidade de ter o logotipo da Galp constituído por duzentas e cinquenta e cinco lâmpadas que estavam acesas 24 horas por dia. Para quem elege a “sustentabilidade” como “responsabilidade corporativa” não deixa de ser, no mínimo, irónico. 

O supermercado Pingo Doce vende pipocas de marca própria, para micro-ondas, em embalagens cuja imagem gráfica assenta numa fotografia de uma sala de cinema nos anos 50 cheia de espectadores com óculos 3D*. A mesma imagem que está hoje, inegavelmente, associada a Guy Debord por ter sido capa da versão inglesa da Sociedade do Espetáculo. Não deixa de ser também, no mínimo, irónico que Debord, o bom usurpador de imagens de outros, veja a sua técnica de desvio situacionista (o détournement) explorada pela própria sociedade de consumo que critica. 

Ou será, afinal, a imagem que regressa ao seu lugar legítimo e de origem? Não é o Cinema o lugar das Pipocas e do Espectáculo?

Aparentemente (só aparentemente) os conceitos e as palavras foram desprovidas de significado, talvez pelo uso excessivo (pensamos, falamos e escrevemos demais). Aparentemente (só aparentemente) as imagens e os desenhos foram desprovidas de significado, talvez pelo uso excessivo (imaginamos , projectamos demais). Mas sofremos de horror vacui. Horror ao vazio; ao espaço em branco de uma folha de papel; ao silêncio de uma conversa a dois. 

Palavras e imagens que, do permanente confronto a que estão sujeitas, acabaram por se desgastar dando lugar ao consenso possível, expressão do relativismo contemporâneo, em que mesmo a nostalgia por qualquer ordem positivista é invalidada pelo próprio conceito de positivismo: “o Positivismo é um conceito que possui distintos significados, englobando tanto perspectivas filosóficas e científicas do século XIX quanto outras do século XX. Desde o seu início, com Augusto Comte (1798-1857) na primeira metade do século XIX, até o presente século XXI, o sentido da palavra mudou radicalmente, incorporando diferentes sentidos, muitos deles opostos ou contraditórios entre si” (Wikipedia). 

Contraditórios entre si. Tudo é válido. Uns estão doentes. Outros estão ausentes.

Estou a dizer que a burocracia se arrogou o direito de definir certos estados da mente como “doentes”. Uma falta de desejo de gastar dinheiro torna-se um sintoma de doença que requer medicação dispendiosa. Medicação essa que, depois, destrói a libido, ou, por outras palavras, destrói o apetite pelo único prazer que da vida que é grátis, o que significa que a pessoa tem ainda de gastar mais dinheiro em prazeres compensatórios. A própria definição de “saúde” mental é a capacidade de participar na economia consumista. Quando investimos em terapia, estamos a investir em comprar. E estou a dizer que, pessoalmente, neste preciso momento, estou a perder a batalha com uma modernidade totalitária comercializada e medicalizada”. (Jonathan Frazen, Correcções)

E a Arquitectura? 

A arquitectura também.