2013/02/27

“Inimigo” por Nuno Abrantes, 2012

Mau senso e contradição
























A CPAM convidou-me para falar sobre o tema da "persistência prática", na sequência de uma história que escrevi há uns anos para a coleção dos Opúsculos da Dafne Editora.
Para quem não conhece essa história, tratava-se de uma longa descrição sobre um pequeníssimo projecto de 24 m2.
Uma ampliação de uma casa num bairro de casas económicas que contou com o clássico cumprimento por parte do empreiteiro no incumprimento de prazos que ele próprio deu. A burrocracia ocupava uma longa parte da história que ainda metia uma queixa de uma vizinha que, talvez por acaso, era arquitecta.
Numa das dezenas de visitas que fiz à obra da Casa do Opúsculo, um vizinho pediu-me ajuda. Precisava de tentar legalizar uma série de pequenas construções que o seu pai tinha feito 30 anos antes.
Um alpendre e uma ampliação térreos nas traseiras e por fim, um acesso à cobertura que dava acesso a um terraço nas traseiras (volume visível na foto esquerda). Eu omiti ao vizinho, provavelmente por esquecimento, que todos os meus processos camarários chumbam. E este não foi uma excepção.
Sobre esse volume foi escrito uma série de apreciações que eu cito metade:

..."o volume da caixa de escadas de acesso à cobertura da construção existente, não contribui para a salvaguarda da qualidade urbanística e arquitectónica do conjunto edificado, em desacordo com os objectivos definidos no artigo 44º do RPDM"…

..."o volume da caixa de escadas, visível no alçado principal, assume-se como elemento dissonante e intrusivo no conjunto edificado;

O acesso à cobertura da ampliação existente, não é do ponto de vista urbanístico aceitável, uma vez que pelo facto de se localizar nos limites do prédio irá devassar visualmente o prédio confinante a sul;

No seguimento de critérios urbanísticos adoptados na apreciação de propostas inseridas nestes bairros, entendemos que a proposta de ampliação deverá assegurar uma clara diferenciação entre a pré-existência e a ampliação.”

Conclusão
Face ao exposto, no que diz respeito aos parâmetros urbanísticos e regulamentares analisados, emite-se Parecer Desfavorável.

Direcção Municipal de Urbanismo

Todos os dias quando vou a pé para o meu escritório passo em frente e este prédio cor de rosa (fotografia direita) e lembro-me sempre destas palavras "dissonante, intrusivo”. É verdade que neste caso, está assegurada "uma clara diferenciação entre a pré-existência e a ampliação" mas a questão que eu coloco é:
Estamos perante a contribuição "para a salvaguarda da qualidade urbanística e arquitectónica do conjunto edificado”?

Um dos principais inimigos da Arquitectura somos nós, os arquitectos.

Mação 10.11.12
Nuno Abrantes é arquitecto no Porto e Santiago.