2013/02/27

“Inimigo” por Filipe Borges de Macedo, 2012

This is not a love song. 




























Num mundo desregulado, assente na sobreexploração dos recursos e na transformação do homem numa mera unidade estatística, o Arquitecto transformou-se num criador de momentos.

Momentos esses, que alimentam uma sociedade híper consumista, onde o modelo económico assenta numa desconstrução da realidade.

A monetarização da economia assim o exige, o Arquitecto tem de criar ilusões que apelem a um desejo imediato de consumo, e essas ilusões multiplicam os capitais virtuais. O arquitecto vende-se assim a um modelo económico, assumindo o papel de arquitecto/criador.

Como exemplo máximo deste papel temos o culto do Star System, onde o Arquitecto/ Criador é glorificado como o Paradigma da profissão.

Esta glorificação contamina a formação e a prática da arquitectura. O arquitecto é glorificado na sua capacidade de produzir novos hits e é celebrada a sua capacidade de criar Objects d’Art.

Object d’Art que são caracterizados pelo virtuosismo empregue na sua concepção. O valor da obra e do projecto assenta assim na sua imagem e capacidade de despertar desejo dos consumidores globais.

Deste modo os Arquitectos do Star System criam obras e projectos, sujeitos a um escrutínio instantânea, com um funcionamento semelhante ao Top of the Pops ou ao Box Office.

Este escrutínio alimenta o mercado da sociedade pós-industrial, e forma os arquétipos de uma arquitectura perfeitamente entregue à sociedade do consumo.

As obras assim criadas estão primordialmente vocacionadas para as imagens que geram, pois são essas imagens que acabam por ser o produto primordial do acto do projecto.  

Mesmo quando uma obra ou projecto se assumem com outros desemvolvimentos, sejam elas sobre a responsabilidade social, avanços técnicos ou outras valências revolucionárias, é sempre a imagem descontextualizada que afirma o projecto.

A firmitas e a utilitas desparecem por entre o brilho esplendoroso da Venustas. Pois afinal de contas o que caracteriza as estrelas é o seu brilho.

Na prática quotidiana da arquitectura esta cultura impõe a sua lógica. Quando somos confrontados pela encomenda, a preocupação de criar o Object d’Art sobrepõem-se em muitas ocasiões às condicionantes da encomenda. Que se lixe o cliente, o que importa é criar a Obra. O projecto como Obra de Arte é o objectivo primordial do arquitecto. O resto são empecilhos no glorioso caminho da consumação da Obra de Arte.

A eficiência do projecto, a economia da construção, o orçamento, o estilo de vida do cliente, as condicionantes da regulamentação, a sustentabilidade, a responsabilidade social do arquitecto passam para segundo plano.

Mas no fundo esta é uma visão egocêntrica, deste modo o arquitecto projecta para se satisfazer a si próprio, não projecta para servir, nem mesmo para cumprir as suas obrigações, sejam elas as contractuais com o cliente, ou sejam elas as obrigações da deontologia da profissão.

Neste papel, o papel Arquitecto/criador, assenta a sua virtude numa feroz ética autoral. A sua integridade enquanto autor é assumida como a essência da sua prática. A sua intransigência na defesa da obra, garante-lhe na sua visão distorcida da realidade, a idoneidade e seriedade em que pretensamente deve assentar a ética do Arquitecto.

Mas no fundo, se pensarmos nas consequências e no enquadramento desta prática, todos sabemos que o arquitecto autor, a estrela da independência artística, é no fundo uma meretriz.

E é uma meretriz que jura que não se vende, pois acredita piamente apenas distribui amor. Logo como é um poço de amor, ela é séria e integra, e na sua mente ele imagina-se como a Stª Teresa de Ávila do Bernini em pleno êxtase espiritual.

A defesa da integridade da Obra/ Projecto permite deste modo a criação de um preservativo moral que protege o Arquitecto/ Autor. Contudo, o Arquitecto/ criador rendeu-se, as suas obras/ projectos alimentam o ciclo vicioso do mercado.

Na sua essência, essa intransigência de autor de arte assumida pelo Arquitecto/ Criador, é uma indulgência. E é uma indulgência porque serve de paliativo ao Arquitecto que substitui a ética da arquitectura pela ética autoral.

O Arquitecto assume a sua austeridade artística como prova da sua integridade, esquecendo que na génese da arquitectura, logo na sua fundação ética, a Arquitectura é querer um mundo melhor para um homem mais feliz.

Urge combater a indulgência, e urge combatê-la, não porque a ética autoral seja per si perniciosa, mas porque essa ética serve consolo á venda da alma da Arquitectura a um mercado impiedoso.

Urge combate-la também porque essa pertença idoneidade autoral é um escudo cobarde, ela evita que o arquitecto faça opções verdadeiramente difíceis.  

Relembro o doutoramento Honoris Causa do Nadir Afonso na FBAUP, quando ele afirma que foi para arquitectura por cobardia, pois ao entrar nas belas artes um contínuo lhe disse que com o liceu concluído, era um disparate ir para pintura, e o jovem Nadir Afonso acreditou, e durante anos continuou a creditar, até que cresceu e se fez homem, e aí deixou de ser cobarde e passou a ser artistas.

Urge igualmente combater este arquétipo do arquitecto, pois esta pertença idoneidade do arquitecto autor serve de desculpa para erros e maus serviços á sociedade e aos cidadãos, logo, esta atitude retira a premência social aos actos da profissão, dificultando assim o caminho dos arquitectos que querem utilizar a arquitectura como meio de mudança de paradigmas, pondo-a ao serviço das populações.

E acima de tudo, urge combatê-la porque o Arquitecto deve ser “…homem entre os homens - organizador do espaço - criador de felicidade.” (Távora, F., 1962).

Logo, o Arquitecto deve servir o homem, sendo esse o seu principal desígnio ético, nunca podendo este desígnio ser substituído. Pode, e deve, este princípio seminal arquitectura ser complementado por outros princípios éticos, onde a intransigência autoral tem a sua relevância.

Urge combater o Arquitecto autor, pois a predominância da forma artística sobre o conteúdo ético da Arquitectura limita-nos a capacidade de imaginar um mundo melhor para um homem mais feliz, e isso faz de nós Cidadãos e Arquitectos menores, pois desse modo somos agentes da continuidade e não criamos as transformações que importam.