2012/11/19

“Inimigo” por Jorge Silva, 2012

O inimigo, somos nós 



Exerço continuadamente a minha atividade profissional há 45 anos. Entrei na vida profissional em Portugal num universo com poucas centenas de arquitetos em que a arquitetura era uma atividade comummente considerada como prescindível. 
As profundas alterações a que fui assistindo ao longo da minha vida foram-me motivando várias reflexões públicas alertando para as consequências da modificação do quadro do exercício da profissão assim como preconizando algumas estratégias para o seu exercício. Assim procedi há 20 anos e há 10 anos, assim continuo a proceder. 

Lamentavelmente em função do alastrar da crise económica a situação degradou-se muito nos últimos anos: Em 1995 foram licenciadas 51.533 obras de edificação. 
Em 2011 este valor caiu para 23.416 (Fonte: Porbase dados do INE). A curva descendente acentuar-se-á inevitavelmente em 2012. 
Em 1995 Os arquitetos inscritos na Ordem (AAP) rondaria os 6.000. Em 2012 ultrapassam os 21.000. Admitindo que ainda há licenciamentos cuja responsabilidade escapa aos arquitetos, poderemos dizer com segurança que estatisticamente haverá menos do que um licenciamento anual por cada arquiteto inscrito na Ordem dos Arquitetos. Se tivermos em conta que a grande maioria destes licenciamentos dizem respeito a pequenas edificações, e que os honorários praticados estão muito abaixo do que a anterior tabela do Ministério das Obras Públicas referenciava e, ainda, que a coordenação é cada vez mais exigente (e bem) o que implica formar equipas multidisciplinares com várias valências técnicas, é uma evidência incontornável que deixou de haver condições no mercado para que a maioria dos arquitetos exerça a sua profissão enquanto projetista. 
Sufocados por condições de mercado cada vez mais adversas, empurrados para uma concorrência feroz que esmaga os princípios da ética, os arquitetos não têm tido a capacidade de iniciativa para contrariar as tendências. 
Restarão indiscutivelmente em campo todos aqueles arquitetos que por mérito, oportunidade, e sorte são nomes de referência no país e no estrangeiro constituindo a nossa “seleção nacional”. Haverá ainda lugar para a intervenção daqueles profissionais que longe dos holofotes, da ribalta das revistas, por vezes em condições de grande adversidade terão que assegurar anonimamente a qualidade e o ambiente das nossas cidades. 
Embora não imune a muitas dificuldades e não sendo por isso panaceia, o prestígio profissional da arquitetura portuguesa será ainda carta de recomendação para os arquitetos que insistam em manter-se no exercício da profissão, agora fora do país. 
Afunilando as oportunidades, não tenho dúvida, que tal como acontece com outras profissões (ex. engenharia advocacia, etc.) muitos arquitetos vão ter que estender o seu campo de atividade muito para além dos limites das atividades diretamente conotadas com a arquitetura. 
Mas é aqui que identifico o nosso inimigo: esta nossa maneira de estar: - Apaixonados pela profissão, molda- dos apenas para o sucesso individual ávidos de protagonismo profissional, os arquitetos aceitam o que mais nenhuma profissão aceita: trabalhar em condições precárias, sem limites de horário, a preço de miséria, ou, então, despendendo um enorme esforço financeiro e de trabalho sem qualquer contrapartida que não seja uma vaga hipótese de obter uma oportunidade. É uma cultura eivada de romantismo que faz do arquiteto um cordeiro manso permanentemente disponível para ser imolado.