2012/11/05

“Inimigo” por Maria Rita Pais, 2012

Edificação ou umbigo?


1. A profissão do arquitecto tem uma essência inerente ligada à criação e ao belo. Esta proximidade desenvolve, no arquitecto, o seu lado sublimativo que, por seu lado, dá força à questão da autoria da obra de arte. Em Portugal, esta ideia está bastante desenvolvida sob a forma de pequenos ateliers de arquitectos, que apesar do interessante trabalho de aprofundamento intelectual e projectual, se mantêm à mercê de um mercado e de políticas de território com demasiado poder em relação ao pequeno atelier que necessita de encomenda para sobreviver. 

2. Criam-se dois vícios: por um lado, um star system aliado à cultura global da imagem facilitou desenvolver uma arquitectura de traços icónicos (logótipos), distinguindo o atelier como marca; por outro, esta cultura de imago dá alimento a um mercado editorial, ele próprio em crise, sedento de imagens e da atenção de novos leitores. Contudo, os arquitectos ficam pouco aclarados e destituídos de um lado muito relevante em arquitectura: a solução de problemas. Este afastamento do âmbito estratégico da profissão desenvolveu, nos últimos anos, visões isoladas, artísticas, mas egocêntricas, que colocaram o arquitecto à margem dos centros de decisões para a comunidade. Não se trata do afastamento em relação à arte, mas do afastamento em relação ao real. 

3. O meu inimigo é a arquitectura apenas pensada como imagem ou edificação. Actualmente, quando quase tudo já foi construído e colocados em cenário de crise, os problemas são mais evidentes. O arquitecto tem capacidade criativa para resolver problemas de estruturação ou de restruturação sob um ponto de vista social, técnico ou político através de soluções espaciais (materiais) ou apenas soluções estratégicas (imateriais). Desta forma, tem o poder de sair do limbo do arquitecto/artista e se (re)posicionar no centro das necessidades reais das pessoas e, sem recusar a sua visão do belo, tomar o lugar daqueles que, nas suas visões mais pragmatistas (económica, técnica, gestora) têm tomado um lugar que deveria igualmente pertencer ao arquitecto. 

4. A materialidade e a poética são consequência e não pontos de partida do trabalho do arquitecto dos nossos dias. Ao distanciar-se do objectivo exclusivo de construir, a arquitectura pode solucionar novos paradigmas e descobrir novas valências artísticas e projectuais.