2012/11/05

“Inimigo” por Susana Ventura, 2012

Querido Edifício:
As casas podem ser de palavras, porque as palavras podem ser, também, armas.



A Ordem dos Arquitectos fez um inquérito a todos os arquitectos sobre a forma como cada um exercia a sua actividade, actualmente. 
Gostava de o ter recebido para poder averiguar se, para o dito, é válida a condição de “arquitecta teórica” e se são aceitáveis as actividades de investigação e escrita para a Ordem que, aparentemente, regula a actividade dos arquitectos. Numa entrevista que fiz a Beatriz Colomina, lembro-me desta afirmar (e sempre o fez) que se considerava uma historiadora de arquitectura. Não era arquitecta, porque não exercia arquitectura (independentemente do que se possa entender por “exercer” arquitectura), como também não era crítica, porque não gostava de escrever sobre arquitectura contemporânea ou sobre arquitectos ainda vivos. Preferia os mortos, dizia. (Talvez porque esses já não se erguem das campas para contestar.) Todos sabemos que a sua opinião é, na realidade, uma versão light da do seu marido, Mark Wigley, que, recentemente, refez, por sua vez, a sua no que diz respeito à crítica. E façamo-nos esquecidos das vezes que Colomina escreveu sobre Rem Koolhaas ou Frank Gehry... Não obstante, o exemplo de Colomina sempre me deu algum conforto na minha escolha pessoal, pelo que me considero uma arquitecta teórica. Não uma historiadora de arquitectura, nem uma crítica (figuras pelas quais tenho alguma desconfiança, quando, cada vez mais, se confunde crítica com comentário, e sobre as quais se deveriam ler algumas notas de Maria Filomena Molder sobre a obra de Walter Benjamin), mas sim uma teórica. Os meus pais - não arquitectos e pragmáticos - arrepiam-se, quando me ouvem dizer isto, enquanto Peter Zumthor, por exemplo, abana a cabeça e diz ser impossível. É uma escolha impossível. Ser arquitecto equivale, para si, a construir edifícios. Eu digo-lhe, o que sempre acrescento ao espanto de tantos outros: faço arquitectura, escrevendo. Crio espaços, que são tão reais quanto os espaços que se constroem, mas com palavras. Não são espaços de palavras, aqueles espaços que as palavras criam, necessariamente, quando se escreve, espaços de silêncio, espaços de contemplação, espaços de revolta. Mas espaços arquitectónicos (que espaços são esses que apenas pertencem à arquitectura de direito, que se podem dizer espaços arquitectónicos? Encontrar-nos-emos lá.), que podem ser, igualmente, de silêncio, de contemplação ou de revolta, que criam a desejada intimidade entre corpo e espaço, não obstante este corpo e este espaço serem compostos de palavras, expressando, sempre, contudo, a carne, os ossos, o sangue. As palavras, na sua infinita plasticidade, são capazes de criar, igualmente, arquitectura. Podem ser luz, pedra, cor, sem, inclusivamente, estas mesmas palavras aparecerem enquanto palavras no texto. Podem ser tempo, movimento, leveza. Podem ser árias ou gritos. E, podem ser, também, armas.