2012/12/08

“Inimigo” por Maria Manuel Oliveira, 2012

O tempo linear, o tempo dos nossos tempos


§1. A arquitectura não tem inimigos específicos. 
Se a arquitectura é a presença do mundo sobre a natureza, os seus inimigos são os da vida comum, sendo comuns aos tempos em que lhe são contemporâneos. 
É no entanto a arquitectura, naturalmente, mais sensível a uns do que a outros. O tempo linear ou longitudinal em que vivemos imersos e que regula - no nosso mundo e na(s) nossa(s) História(s) – o compasso da trajectória individual e da espécie, revela-se o suporte ideal para a aceleração imensa e a abstracção generalizada que, progressivamente confundindo matéria e representação, tem vindo a permitir que o simulacro substitua o real. 

§2. O tempo linear acelera o tempo,
agora - aliado à dissociação entre tempo e espaço - de uma forma vertiginosa, como se a velocidade fosse um fim em si mesma [‘... o fim é também a finalidade de qualquer coisa, o que lhe atribui um sentido. Mas quando estamos nestes processos que se desenrolam em cadeia, que se tornam exponenciais, para além de uma certa massa crítica eles não têm mais nem finalidade nem sentido…’ 
(J. Baudrillard, mots de passe, 2000)].
Em tempos esquizofrénicos, onde se contrapõe o excesso do demais para fazer – fazendo tudo de uma forma violentamente apressada e (quase) sempre superficial - ao tédio e ao drama de nada ter para fazer, 

§3. o acto de projectar transformou-se numa corrida de obstáculos. 
Condicionado por um tempo curto, demasiado curto - cada vez mais curto e minado por imposições sobrepostas e muitas vezes paradoxais -, projectar encontra-se sujeito a uma tensão que deixa de ser aquela que sabemos imprescindível ao desenho mas que antes nos empurra para um estado de fibrilação mental / que estorva, dificulta, ou impede, conforme o nível que atinge, muito particularmente o prazer do projecto, a sua construção, a essencial exploração de caminhos que possibilitam nexos inesperados (serendipity, Horace Walpole, 1754: o encontrar de uma coisa quando se procura outra, sendo que a coisa encontrada é mais interessante que aquela que se procurava). 

§4. Em tempos de forçada apneia,
(os nossos), 
poder-se-ia então, num radical exercício, talvez iludir a lógica implacável da flecha do tempo que alimenta a selvagem e abstracta consonância capitalista e nos obriga a uma corrida incessante, e tentar habitar o tempo (re)encontrando - no campo de batalha - os tempos necessários para inquirir e, enfim!, saborear o mundo da indeterminação que se nos promete repleto e aparentemente disponível. 

[‘o que se desenha no horizonte? – Um século das horas extraordinárias, da dúvida, da fuga massiva. Mas não vale a pena lamentar-se e é indecoroso baixar a cabeça. O dever de ser feliz é mais válido do que nunca em tempos como os nossos. O verdadeiro realismo da espécie consiste em não esperar menos da inteligência do que se exige dela.’  (P. Sloterdijk, O estranhamento do mundo, 1993)].